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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pão com Manteiga

Ela não gostava de coisas fáceis. Se intrigava com os percalços que deveria percorrer. O que teria que fazer para alcançar? Seria difícil, sem dúvida. Mas era assim que gostava das coisas.
Desculpas simples não lhe mexiam o coração, nem a faziam perdoar. A desculpa era o meio mais fácil de se livrar das culpas, de se sentir bem consigo. E isso era muito fácil. Preferia carregar o peso dos erros, e o amargo da lembrança de que poderia ter feito diferente.
Poucos entendiam o que queria dizer, a julgavam entre o fiasco do sarcasmo e o desespero do riso, mas não era assim. Só não fazia questão de ser entendida.
O pão que queria comprar na padaria, tornou-se impossível. E pensava, entre faminta e cansada, se a dificuldade dos atos não estavam em suas ações.
E as vezes, mas só as vezes, queria conseguir levantar-se de pronto.
Mas o erguer a cabeça, abrir as janelas do quarto, colocar os chinelos e ir à porcaria da padaria na esquina, a afogava. Como conseguiria?
E foi assim, com uma vontade enorme de comer pães, quem sabe até com manteiga, que depois de anos de espera, depois de aceitar o café amanhecido como alento, depois de dar voltas enormes apenas para não encarar a padaria, aquela maldita padaria que nem devia ter pães saborosos, devia na verdade vendê-los murchos e apáticos, devia ter naquelas luzes brancas o holofote da exposição. Ela não queria aqueles pães, não iria se alimentar de pães velhos. Mas como fazer-se entender? Não o conseguia há tempos. E que fome sentia. Que vontade de se saciar, como antes nunca fizera. Se sentir repleta daquela sensação de que nada mais falta, eis a plenitude de suas necessidades! E foi assim, meio cambaleante, completamente apavorada, que decidiu ir comprar pães na padaria.
Sentou a sua mesa, acendeu um cigarro, e pensou que já que iria até lá, poderia comprar mais cigarros. Vestiu-se como alguém que vai à padaria comprar pães, pegou sua bolsa, olhou-se no espelho, ensaiou expressões neutras, ficou satisfeita com os resultados e saiu.
Em dois minutos estava lá. Sabia que iria ser difícil. Gostou desse pensamento. E num ofegar forte entrou, entrou naquela padaria iluminada.
-Por favor, eu quero um pão.
O moço, que a atendia não percebeu nada de anormal. Deu-lhe o pão, a observou ir até o caixa e se esqueceu que um dia ela estivera ali.
Ela pegou seu pão, foi até o caixa, vinte centavos, mas queria cigarros. Pediu cigarros, pagou sua conta e saiu.
Saiu de lá, o pão, agora seu, pesava na sacola que o levava. Queria fingir que era um simples pão, mas ela percebia, cada vez mais, que não o era. Sentou-se em um banco, fumou, e ficou a imaginar como seria lavar as mãos, pegar aquele pão, cortá-lo, espalhar a manteiga que tanto gostava, e comê-lo, simplesmente comê-lo. Pensou se sua fome seria saciada, se conseguiria dormir tranquila por ter ido até aquela padaria e por ter comprado um pão. Que gosto teria? E se depois dele, sentisse fome de novo? E se quisesse comer mais pães? Ele poderia estar murcho como ela imaginou...
Levantou-se sem pressa, pegou sua sacola, que já lhe parecia um fardo e saiu. Andou pela cidade, preferiu ir a pé, apesar da distância. Chegou. Comprou uma passagem, e prometendo-se nunca mais entrar em uma padaria, jogou seu pão fora, e se foi.

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